Artesanato

Small is beautifull” – O pequeno é bonito.

Cestas de Frende

Cestas de Frende

Small is beautifull” – O pequeno é bonito. Poucas vezes numa frase célebre como esta se aplicou tão bem como às cestas de Frende. As mãos hábeis das artesãs desta freguesia conseguem tecer um tão delicado e fino entrançado que, desde os pequenos açafates aos suportes de pratos e travessas, atinge a sua maior graça nas cestinhas de dedal. O material de que são feitas, a giesta piorna, é outro elemento, extraído do manto verde e natural desta “serra bendita” (Eça), que torna estas peças tão genuínas, tão únicas e tão belas.

Cestas de Frende 

Colhida na Serra do Montemuro (Resende, Cinfães e Castro Daire), é no lugar de S. João do Castelo, em Frende (concelho de Baião), que se fazem as cestas de giesta piorna. Diferentes tamanhos e formas permitem também diferentes utilizações: domésticas e decorativas.

Atividades - Artesantao - Cestas de frende
Esta arte tradicional ocupava-se maioritariamente do fabrico de peças para uso doméstico, sendo o exemplo mais comum, o açafate para o pão ou para os ovos. A progressiva introdução, nos hábitos quotidianos, de novos materiais e utensílios produzidos industrialmente, contribuiu largamente para o decréscimo deste artesanato.

Artesanato - Cestas de frende

Atualmente as artesãs continuam a manufaturar os modelos tradicionais que hoje têm mais uma função decorativa, introduzindo exemplares de dimensões reduzidas muitas vezes utilizados para ofertas em eventos, como são exemplo as cestas de “Dedal” ou de “Garrafeira”.

Garrafeira - Cestas de frende

O contacto destas artesãs com novos projetos, liderados por designer`s e artistas plásticos têm também permitido a introdução das técnicas tradicionais e da utilização deste tipo de giesta na criação de novos produtos, assim como têm contribuído para que as próprias artesãs inovem os modelos disponibilizados ao público.

Artesanato - cestas de frende


Texto do livro de António Mota – “Andarilhos em Baião”

-Quando vejo as cestinhas de Frende, lembro-me das filigranas. Aquele entrançado é tão perfeito, tão elegante... - dizia a Marisa enquanto pedalava, já cansada da longa viagem.

Saíram de manhã cedo de Campelo, passaram por Santa Marinha do Zêzere, atravessaram a ponte do rio Zêzere, em Sarnado, e descansaram junto do miradoiro dos Dízimos a apreciar a paisagem deslumbrante. Lá no fundo corria o rio Douro, emoldurado por vinhas e olivais.

Foram almoçar a Tresouras e voltaram. Em Arufe viram o rio Teixeira e lembraram-se da tia Alzira dos biscoitos.

Deram um salto a Loivos da Ribeira e voltaram à estrada, a caminho de Frende. Para ver a "Meca das cestinhas", como dizia, com graça, o António.


-Mas afinal onde vamos encontrar as cestinhas? -perguntou o Jorge, perto do Cruzeiro.

- Vão por esse caminho abaixo, mas cuidadinho, porque é muito a descer. Quando o caminho ficar muito estreito, perguntem pela tia Silvina. Ela mora no lugar do Castelo -informou, simpática, uma mulher que tinha saído duma carrinha fechada, carregada com bojudos

rolos de lã.

-Aqui há muitas oliveiras, não há? -perguntou o Ricardo.

-Sim, sim. Nunca ouviram dizer que Frende é uma quinta de azeitonas?

Começaram a descer. E admiraram-se. Havia roseiras, imensas roseiras, junto das casas.

"Sim, sou eu. Estou aqui à sombrinha para não me crestar... Boa tarde, venham com Deus. Não foi difícil encontrar-me. Quem Ihes indicou o meu nome. Ah! Essa é a Rosinha, a minha afilhada. Se calhar veio trazer lã para as mulheres fazerem a obra. Sim, aqui em Frende praticamente toda a gente trabalha em malhas.

Em tempos houve aqui uma fábrica de malhas que deu muita vida a esta freguesia. Depois acabou. Azares da vida...

“Então o que é que os traz por cá? Ah!...Querem saber como se faz uma cesta? Quem diz uma cesta, diz um açafate, claro. Isto é muito fácil. Depois da gente aprender não custa nada, não se ponham a rir, que é verdade!

Há mais de cinquenta anos que faço estas coisas, tem sido sempre o meu modo de vida. Quem inventou? Eu sei lá! Sei que esta arte já vem do tempo dos avós dos meus avós, e se calhar ainda mais para trás... E. É uma arte muito antiga.

Estas verguinhas são de giesta, é verdade. Mas que não haja enganos. É giesta, mas diferente das giestas que se encontram em qualquer sítio. É especial, sim. Chama-se Piorna. É uma giesta brava que não se dá em qualquer sítio, só nas serras, e mesmo assim, não é em qualquer monte que ela aparece.

Falou o menino muito bem. Então vamos começar pelo princípio, que é uma maneira da gente falar .

Como já Ihes disse, há mais de cinquenta anos que faço estas coisas, cestinhas e açafates.

E olhem que comecei bem cedo, logo depois da escola. Tinha doze anos. Lembro-me, como ainda se fosse hoje, que a primeira coisa que fiz foi ir arranjar piorna.

Ir arranjar um molho de piorna era um martírio. Aqui por estes lados não a havia. E a gente tinha de ir buscá-Ia à serra da Gralheira, a todo o cabo do concelho de Resende. As vezes também íamos aos montes de Castro Daire.

Ceávamos cedinho, metíamos uma navalha no bolso e o que houvesse para comer, juntávamo-nos num grupo aí de quatro ou cinco pessoas, e partíamos.

E toda a santa noite caminhávamos a pé, por entre carreiros e por caminhos de cabras. As vezes entre tojo. Ai, ai... Era muito, muito longe, e nós, tantas, tantas vezes adormecíamos em pé. Já viram?! A dormlr e a andar... Só acordavamos quando batíamos num penedo ou contra uma árvore. Para que o sono não tomasse conta da gente, fartávamo-nos de cantar. Cantávamos.Cantávamos para espairecer o sono que era mais pesado que um burro. Por isso ainda hoje sei muitas cantigas. Já não tenho voz, nem alegria para cantar. Mas como estou contente de os ver à minha frente, há uma quadra que diz assim:

 

Frende é uma maravilha

De quantas aldeias há

Quanta gente me pergunta:

Que terra esta será?

 

Antes de amanhecer, estávamos nós a chegar à serra. Se calhava de haver lua-cheia, começávamos logo a cortar as vergas. Pois. Não cortávamos as giestas, só as vergas.

Finas ou mais grossinhas. Se não havia luar, o remédio era esperar que viesse o dia. E, ainda ao lusco fusco, desatávamos a cortar as vergas o mais depressa que podíamos. Fazíamos um vincilho com duas giestas e atávamos o molho. Tudo tinha de ser feito com despacho.

Porquê? Ai, porquê!... É que nesse tempo os donos da serra não gostavam nada que fôssemos lá buscar-lhe as giestas, ou melhor, as vergas. Queriam-nas para o gado. Por isso andávamos ligeiros. Se fossemos vistos? Isso aconteceu algumas vezes. Dependia do patrão. Havia os que deixavam a gente pegar nos molhos e ralhavam. Outros corriam-nos à fragada e obrigavam-nos a deixar os molhos na serra, para eles levarem para a corte dos gados... E nós? Está bem, está bem... caladinhos, que era o remédio. Nunca ouviram dizer que na terra alheia as vacas correm os bois?

Para não sermos apanhados sabíamos que tínhamos de abalar da serra antes das sete, oito horas da manhã. Por essa altura chegavam os donos com o gado.

Carregados com os molhos, aí vínhamos nós a caminho de casa. Mas ai, ai, custava tanto. Era um dia inteiro a caminhar. E mal alimentados. Só entrávamos dentro de portas à noitinha.

E muitas vezes fazíamos molhos tão grandes que chegávamos a não nos atrever a arrastá-los. A única solução era sentarmo-nos. E ali mesmo esfolávamos as vergas, quer dizer, tirávamos-lhe a pele. Assim vínhamos mais leves. Ai, era tão longe! Tão longe era que chegávamos a casa com os pés cheios de bolhas e derreadinhos que eu sei lá.

Carregávamo-nos assim porque as vergas não podem ser colhidas numa altura qualquer. Só se corta a piorna nos meses de Março e Abril. Ou então em Julho ou Agosto. Estão a ver. Tínhamos quatro meses para arrastar para casa vergas que dessem para todo o ano.

As vezes íamos duas e três vezes por semana buscar as vergas à serra. Era um inferno.

Não, não eram só as mulheres, também havia homens que alombavam com os carregos.

Não, os homens nunca se dedicaram a fazer cestinhas, é que este trabalho requer muita paciência...

Então a gente quando tem as vergas em casa, a primeira coisa que faz é esfolá-las. Pegamos num pau, do tamanho da nossa mão e rachamo-lo ao meio, assim como quem racha uma cebola. Metemos a ponta da verga no meio desse pau, apertamos e puxamos a firma. Quando ela sai, também a pele já saíu. As vergas ficam verdes. Estendemo-las ao sol e passados dois, três dias, ficam secas e amarelinhas.

Então recolhemo-las, tendo o cuidado de as separar conforme a grossura. As mais finas para um lado, as mais grossas para outro.

Escolhidas que estão as vergas, começa-se o trabalho. As mais finas servem para fazer as cestinhas, as mais grossas os açafates.

Precisamos de uma bacia com água, onde pomos as vergas a demolhar, aí coisa de um quarto de hora. Pegamos na navalha, que é a nossa companheira, e aparamos as pontas.

A primeira coisa que se faz é sempre o fundo. Depois enleamos e engradeamos as vergas. Com os dedos fazemos o talho da cestinha, e finalmente pomos a asa.

Quantas cestas faço por dia? Se estiver sempre agarrada ao trabalho, posso acabar à vontade duas dúzias de cestinhas, ou então seis açafates.

Não senhor. Nunca houve falta de compradores. Sempre houve muita procura. Com a venda nunca a gente se preocupou. Antigamente apareciam aí os negociantes que nos compravam toda a mercadoria que havia e ainda mais que houvesse. As cestinhas e os açafates vendem-se às dúzias.

Hoje está tudo mais facilitado. O CENTRO DE ARTESANATO DA CAMARA MUNICIPAL DE BAIÃO empresta-nos camioneta e motorista para irmos colher a piorna. Os donos já não se importam que a gente colha as vergas, e todo o trabalho que fazemos está vendido por bom preço.

Faz-me pena, agora com estas facilidades todas, que cada vez menos gente se dedique a este trabalho. Quando eu, e outras como eu, largarem o trabalho, talvez isto acabe, o que me faz pena.

Oxalá esteja enganada. Não quer a menina aprender a fazer uma cestinha? Olhe que depois de se aprender é muito fácil”.

(António Mota, “Andarilhos em Baião”- Maio de 1988)